6 de fevereiro de 2014

[.pra ler numa tarde do futuro.]

:: Agora você pode ter certeza: não volta. O beijo não dado não tem mais sentido. O abraço guardado não tem mais motivo. O palavrão engolido não quer dizer mais nada. Não volta, você cansou de ouvir, mas só agora pode ter certeza. A chuva nunca mais fez o mesmo desenho no vidro. O mar nunca mais a mesma pose para a fotografia. Sua música preferida só tocou no momento certo naquele dia. O poema deixado pra depois, hoje, não vale mais nada. Há rimas que mofam. Que perdem o significado. Consegue entender? Agora, acredita? Não era autoajuda barata. Previsão de cigana mentirosa. Horóscopo de jornal vagabundo. Conselho de velho morrendo. Carta falsa de tarô. Não volta mesmo. E espero que na cópia desta mesma carta a ser aberta, novamente, daqui a dez anos, seja menor o arrependimento. Mas eu já aviso: dentro deles, o mesmo texto. Não volta – tatue no braço. Grude post-its. Escreva com carvão pelas paredes. Com as unhas compridas arranhando a terra: história de verdade não se rebobinam.
-Eduardo Baszczyn-

7 de janeiro de 2014

[...]

:: Muito fácil proferir um lindo discurso sobre fé e confiança na vida, difícil é entregar ao Poder Superior seus passos e colocar ação nas tuas palavras. Quando se é contrariado, quando se vive uma frustração, no lugar da esperança, colocamos um profundo ressentimento e cumprimos com maestria o papel de vítima dos acontecimentos. Muito fácil arranjar um réu que nos tire a responsabilidade do crescimento. Muito fácil amparar um amigo dizendo que a cura está no tempo, difícil é acreditar que o tempo vai passar e que haverá cura nele quando a dor está em nós. Fácil demais insistir naquilo que já pressentimos ou até temos certeza de que não nos serve mais, difícil é se comprometer com o seu amor-próprio e se livrar do peso que é tentar mudar quem não deseja mudança alguma. Sempre teremos uma justificativa, um bom motivo ou um argumento irrefutável para prolongar a nossa infelicidade. Admitir que não temos as coisas sob controle é doloroso e quase inaceitável. Usamos a manipulação para tudo. E este movimento é sempre muito sutil, às vezes, até inconsciente. Mas é preciso estar preparado. A vida não nos avisa com antecedência se os próximos instantes serão de alegria ou sofrimento, mesmo quando achamos que estamos fazendo tudo certo. Mas quando há a entrega, quando há uma certa evolução espiritual, uma confiança de que tudo é instrumento para o nosso melhoramento, as adversidades não se tornam menos desconfortáveis, mas a consciência de que esta também é passageira, nos faz focar numa solução, não chafurdar no problema...Estive chafurdando no problema até que tudo se tornasse cansativo demais e eu me lembrasse que estava sendo leviana ao proferir meu discurso otimista e bem-resolvido sobre tudo. Quando tive que colocar ação nas minhas palavras, descobri que a nossa crença deve ser renovada diariamente e que não vivemos apenas do acaso. Mesmo que você tenha encontrado seu grande amor na esquina de uma rua qualquer, foi preciso que você andasse até lá, mesmo que você tenha conseguido o emprego que almejou, foi preciso que alguém te indicasse ou que estudasse o suficiente para tê-lo. Mesmo que você tenha perdido um ente muito querido e não consiga ver possibilidade de restauração desta perda, existem outras pessoas nascendo no mundo e que vão cumprir sua missão nesta existência dentro do tempo concedido a cada um. Eu nunca vi lamentações resolverem problemas, nunca vi relações baseadas na carência pura darem certo ou desempregados conseguirem emprego desaguando suas desgraças numa entrevista.Estou escrevendo isto tudo porque preciso me lembrar de continuar sendo grata, humilde, ousada e corajosa. E a não ser leviana com as palavras, com meus leitores. Antes de ser conselheira sentimental, eu preciso ter o meu emocional resolvido. Antes de opinar sobre um texto alheio, eu preciso ter um mínimo de embasamento. E pra todas as coisas temos que usar a honestidade.
Por isso eu vim aqui, agora pra me lembrar dessa gratidão, porque foi ela que me deu tudo de mais precioso que tenho. Porque ser grato é ser também merecedor.

-Marla de Queiroz-

8 de outubro de 2013

[.ah, o amor!.]

:: Acho que posso dizer que é amor, sim. Mesmo que a gente tenha se perdido para que eu pudesse encontrar a mim mesma. Mesmo que a gente tenha se perdido para que você pudesse buscar a si mesmo.
É amor porque eu te guardo na lembrança bonita do meu crescimento, da descoberta do que era a codependência ou da fusão que subtrai. É amor, porque cantamos juntos, dançamos juntos, choramos juntos, fizemos amor intensamente, trocamos profundamente as angústias da alma, torcemos um pelo outro, nos ajudamos, viajamos juntos, gargalhamos desarvoradamente, dormimos juntos no melhor abraço um do outro, descobrimos novas músicas, sinônimos, livros, enlouquecemos lindamente, brigamos muito, fizemos as pazes várias vezes e fomos embora um do outro quando nada mais era poesia.
Não foi triste, mas doeu profundamente . Uma dor resignada porque eu podia ver com clareza que já não nos acrescentávamos nada . E aprendi a trabalhar o desapego e o perdão. E hoje, quando vejo você sorrir, eu sinto que estamos bem e que fizemos a coisa certa . E o amor só pode ser isto: Querer que o Outro encontre a felicidade a qualquer custo, mesmo que isso exclua você da plenitude dele. Mesmo que isto exclua o Outro da sua plenitude.

Marla de Queiroz



17 de setembro de 2013

[.quando não há mais para onde correr é quando se aprende a voar.]

:: O que me tiraram já não me serve. Prefiro o que permaneceu e o que conquistei posteriormente. O que eu buscava existe, mas sempre procurei onde não estava. O que eu tenho não é meu, está comigo apenas. O que eu quero hoje posso não querer amanhã, e isto me tira a ansiedade. Sei somente sobre o que sinto, principalmente quando deixo de sentir. Conheço mais sobre o desespero através do alívio. Conheço mais sobre pessoas quando elas estão distraídas de suas máscaras sociais. Por isso, para minha transparência, distraio-me. Exponho-me. A reação do Outro a mim nos revela: conheço mais sobre nós dois (dele, pelo que não suporta ou seduz, de mim pelo que provoco sendo-estando). Se a vida é trágica para alguns, também conheço esta face dela, apenas não me apropriei do trauma. Se a vida é dádiva para outros, me identifico. Se as coisas não estão fluindo como eu gostaria, tenho a oportunidade de desenvolver meu raciocínio para observar as coisas por outro ângulo.

Quando não há mais para onde correr é quando se aprende a voar.

-Marla de Queiroz-

11 de julho de 2013

[.uau.]

:: Você me pediu perdão como se pudéssemos remover com uma borracha nosso pequeno e trágico passado. Mas eu te perdoei porque não consigo gastar um átimo de segundo da minha existência guardando qualquer sentimento por você. E para te perdoar, precisei perdoar também a mim mesma pela armadilha que criei quando eu estava triste e desorientada demais para achar que você pudesse me dar qualquer tipo de direção e desabei nos seus braços e me deixei levar pelas suas mentiras caudalosas. E você, com sua personalidade nociva e perversa, e por viver tão afundando na ignorância de ser quem é, ainda pensou que ser perdoado era um passaporte para qualquer tipo de aproximação. Não. Agora eu tenho sanidade nas minhas escolhas e não estou mais frágil como antes. O que você me causou e as consequências graves que tive que administrar sozinha por causa da sua covardia, me fortaleceram de tal forma, que o meu horizonte interno se ampliou no peito e nos olhos e o meu tamanho teve que ser aumentando para comportar tantos aprendizados. Por isso, a pessoa que consegue te perdoar hoje, não é a mesma que você feriu com toda crueldade que eu não sabia ser possível num ser humano considerado socialmente normal. O mal que você tem feito a si mesmo, não é mais problema meu e a minha presença seria um presente dado a alguém que não tem a menor condição de receber o que é bom. Eu poderia ter ajudado você a se lapidar com a minha predisposição para o amor. Mas você, acostumado a viver na escuridão, não soube suportar a minha luz.
Espero que encontre alguma paz se algum dia conseguir e quiser viver dentro da honestidade.
-Marla de Queiroz-

3 de julho de 2013

[.redundante. paradoxal.]

:: Algumas coisas acabam simplesmente porque terminam, terminam assim mesmo, redundante. E algumas redundâncias acabam porque já foram ditas. Algumas coisas acabam porque a vida se apresenta para alguns bastante inflexiva. Contraditória - TEM. MAIS TÁ FALTANDO! Exatamente assim como quem não sara uma ferida, como quem sente doer mas não cuida, como quem deixa doer por acreditar que um dia passa sem a gente precisar cuidar. Algumas coisas acabam porque tem muita coisa que precisou ser dita, outras que não foram, porque existem pessoas que cedem, outras não... Algumas coisas acabam porque tem muita espera, porque tem muita dúvida. E algumas coisas acabam porque paradoxalmente existe muito amor.

-Maria Clara de Claro Lira -

28 de maio de 2013

[.mc texto feliz.]

:: Tentei muito começar a escrever de diversas formas antes, mas todas pareciam erradas e sem sentido, sem transmitir. Então, primeiro, obrigada. Obrigada por ter me tirado de casa num domingo onde tudo correu tão tranquilo. Obrigada pela conversa tranquila e por falar e ouvir sem julgamentos. Obrigada por me apresentar aquele lugar lindo, melhor ainda, por me apresentar com tantas risadas, tanta música, tantos olhares genuínos. Acima de tudo, obrigada por escolher compartilhar coisas assim comigo. Poderia continuar agradecendo por N coisas, por ficar feliz me vendo feliz, pelas conversas de hoje também, por tocar em assuntos comigo que sei não serem nada agradáveis, e falamos. Espero outras dezenas de músicas pra cantar contigo, porque sei que podemos fazer uma trilha sonora absurda de boa. Espero te encontrar pra almoços no meio da semana, pra Mc Donalds, saladas e pastel com caldo de cana. Espero te encontrar pra conversa sem pretensão, pra café no alvorecer e pra idas ao mercado às 6 da manhã. E acima de tudo, espero que saiba que pode contar comigo pra programas de fim de semana, para dramas numa terça-feira e pra conversa todos os dias.
-Marcela Santos-

(porque eu amo quando ganho textos. Assim.
Um beijo nessa fofa :*


15 de maio de 2013

[.reaprendendo a nadar.]

:: Quando eu entrei no barco furado, sabia que o excesso de água seria o desafio a superar até conseguir chegar na terra firme da sua entrega. Sabia que o acesso a um sentimento guardado seria uma tormenta em fúria cheia de correntezas, mas sempre tive tantas certezas, que a calmaria que me esperava traria gosto de recompensa boa.Entrei sabendo que poderia me afogar, mas a vontade que beijava meus sonhos impulsionava minha remada diária, rumo a um peito adormecido que habitava terras quase virgens. Quando entrei no barco, entrei inteira, fechei os olhos num salto dentro de mim sem rede de proteção, só assim eu chegaria em você. Precisei rascunhar estratégias pacientemente, analisar a rota com cuidado, confiar na bússola da minha intuição e passar a limpo tantas vezes minha esperança acreditando tanto em algo, mas tanto, a ponto de não estremecer meu ânimo, nem nos momentos de tempestade em alto mar. Passei a conversar com o vento, ouvindo os conselhos da direção como se fosse um aviso da minha metereologia interior. Comemorei cada sorriso nosso que se pôs no horizonte, amanheci junto aos primeiros raios de sol disfarçados de passos firmes que nutriam o coração, celebrei cada alimento que pescávamos no caminho, que davam sustendo a minha poesia. Acreditei tanto. Meu Deus, acreditei tanto que se eu remasse dia e noite não cansaria, pois cada abraço seu me declamava pro mar, como se fosse um samba lento, desses de se dançar com par. E em cada evolução eu ganhava novas cores, perdia os temores, ajeitava o peito pra caber mais ar e ter mais fôlego para ir mais adiante. Acreditei tanto ser possível que não me dei conta que remava sozinha, contra a maré solitária de uma madrugada fria. E a água que beijava meus pés já procurava espaço entre meus joelhos tristonhos. Toda fé, suor e crença se despediam lentamente de uma trajetória traçada, mas afogada pela covardia do destino. E em seguida sobrou eu, com os olhos cheios de sal e um peito abafado, com a terra à vista em um mar imenso e distraído querendo brincar de ser lição. Aprendi que só remando juntos e na mesma direção os sonhos ganham força. Aprendi que existe diferença em tentar chegar e querer chegar e que esse sentimento deve ser compatível e dividido por toda tripulação a bordo. Aprendi que meu caminho é fundo demais pra quem somente se disponibiliza a navegar às margens de si e que isso faz muita diferença dentro da crença de se conquistar um território abandonado. Aprendi, que só do seu lado remar faz sentido, e que a saudade dessa aventura faz tanto frio já na minha alma de poeta. Aprendi que se aprende todo dia, se chora, se ri, se disfarça a dor, mas que se não existir um porto seguro, o naufrágio é inevitável E que tantas vezes é preciso deixar entrar água nos sonhos para se reaprender a nadar.
-Lilian Vereza-


29 de abril de 2013

[.meu pé de laranja Lima.]


"Você será o sol, e as estrelas vão brilhar ao seu redor.”
“Vida nova e esperanças simples, simples esperanças.”
“- Fica feio se eu chorar?
- Nunca é feio chorar, bobo. Por quê?
- Não sei, ainda não me acostumei. Parece que aqui dentro a minha gaiola ficou vazia demais...”
“Você precis saber que o coração da gente tem que ser muito grande e caber tudo que a gente gosta.”
“Mas faltava qualquer coisa. Qualquer coisa importante que me fizesse voltar a ser o mesmo, talvez a acreditar nas pessoas, na bondade delas.”
“- Não faz mal, eu vou matar ele.
- Que é isso menino, matares teu pai?
- Vou, sim. Eu já até que comecei. Matar não quer dizer a gente pegar o revólver de Buck Jones e fazer bum! Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um a dia a pessoa morre.”
“Meus olhos ficaram covardemente cheio de lágrimas.
- Mas tu deves admitir que às vezes a gente também possa sonhar.
- É que você não me botou no seu sonho.”
“Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar de desmaiar. Não era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia. Dor era aquilo, que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder contar para ninguém o segredo. Dor que dava desânimo nos braços, na cabeça, até na vontade de virar a cabeça no travesseiro.”
“Às vezes sou feliz na minha ternura, às vezes me engano, o que é mais comum.”
“A verdade (...) é que a mim contaram as coisas muito cedo.”
(Trechos do Meu pé de laranja Lima)

25 de abril de 2013

[.seus pensamentos é que sempre serão sua casa.]

:: Arrumando minha casa de dentro juntei estilhaços de um tempo em que, cansada de sóis vazios e dessas tempestades de agonia, para esquecer um amor antigo, arremessei meu coração contra a parede. Eu descobri que algumas pessoas se juntam não por afeto, mas por tristeza encomendada. Que certas coisas que deveriam afastar, às vezes aproximam.
Quando arrumei minha casa de dentro tinham muitas declarações de amor de gente que já não me amava mais pelo caminho. E quando eu estava prestes a começar uma vida nova, tropeçava nesse passado e nos referenciais antigos e voltava para lá que era um lugar aparentemente mais seguro. E ergui tantas paredes rabiscadas pelo medo.
Descobri, quando abri as janelas, que uma chuva muito forte também tem som de aplausos. Que na pauta dos meus lábios só cabem palavras macias. Que há que se beber do outro também a fonte de idéias para que tudo não se resuma num encontro incandescente de peles porque devemos explorar todas as qualidades do desejo.
Eu descobri que tenho um jeito de gostar exagerando os fatos e que a ficção é o que mais participa da minha realidade. Mas que sempre fica um rastro na minha pele se alguém se demora nas carícias. E que não se pode ter a força de uma represa retendo seus próprios líquidos.
Quando arrumei minha casa de dentro eu descobri que essa é uma tarefa infinita. E há que se reordenar as coisas incansavelmente pra se ter espaço pruma nova cor. E que uma boa base impede um desmoronamento, mas que a implosão da estrutura inteira, às vezes, é a coisa mais sábia a se fazer em determinados momentos.

-Marla de Queiroz-


24 de abril de 2013

[.500 tons de exigência.]

:: Antes de qualquer coisa, quero que saiba que por vezes não sei como te responder porque qualquer coisa que eu possa falar correria o risco de soar leviano, frívolo. Então analiso, avalio e internalizo. Talvez por isso também, meus incentivos fracassem miseravelmente quando tento ajudar da forma que seja. Veja bem, se quiser falar, vou te ouvir por dias. Não sem sentir aquele apertozinho no coração quando comenta sobre o que a afeta, machuca, dói, e dá vontade de cuidar porque sei que não merece nada dessas coisas, não merece que desejem menos que o melhor. Não merece essa gente que não sabe como amar o outro pelo que o outro é. Tampouco, agressividade travestida de companhia, de carinho. Você merece carinho puro, sem adendos, carinho pra cicatrizar a maldade alheia e fazer crescer o que há de melhor em você (que sei não ser pouco). Admiro a capacidade de reconhecer os próprios erros e colocar em perspectiva, embora a ache fatalista algumas vezes, e cabeça-dura. Mas dramática do jeito bom. Comecei a escrever com um propósito, mas você já me fez rir tanto desde então que o perdi na terceira linha, eram palavras cadenciadas que deveriam soar como incentivo de alguma forma, mas que agora sequer sei o que significam. Esse não é o texto que te prometi, é só algo que pensei enquanto conversávamos mais cedo. No próximo eu posso até caprichar na ortografia, embora não tenha uma letra shakespeariana No próximo, eu posso dramatizar, embora não tanto quanto você. No próximo, talvez eu possa exigir mais de mim, como você faz - secretamente, gosto quando exige. Desculpe pelo meu silêncio e por não saber o que fazer, entenda que só...não consigo escolher as palavras. Você é cheia de vivências que ainda vou demorar a compreender, mas obrigada por dividi-las comigo.
-Marcela-


>ganhei OUTRO texto. lindo. de me emocionar.
obrigada sualinda!

12 de abril de 2013

[.vamos lá.]

:: Cometa bobagens. Não pense demais porque o pensamento já mudou assim que se pensou. O que acontece normalmente, encaixado, sem arestas, não é lembrado. Ninguém lembra do que foi normal. Lembramos do porre, do fora, do desaforo, dos enganos, das cenas patéticas em que nos declaramos em público.
Cometa bobagens. Dispute uma corrida com o silêncio. Não há anjo a salvar os ouvidos, não há semideus a cerrar a boca para que o seu futuro do passado não seja ressentimento. Demita o guarda-chuva, desafie a timidez, converse mais do que o permitido, coma melancia e vá tomar banho de rio. Mexa as chaves no bolso para despertar uma porta. Cometa bobagens. Não compre manual para criar os filhos, para prender o gozo, para despistar os fantasmas. Não existe manual que ensine a cometer bobagens. Não seja sério; a seriedade é duvidosa; seja alegre; a alegria é interrogativa. Quem ri não devolve o ar que respira. Não atravesse o corpo na faixa de segurança. Grite para o vizinho que você não suporta mais não ser incomodado. Use roupas com alguma lembrança. Use a memória das roupas mais do que as próprias roupas. Desista da agenda, dos papéis amarelos, de qualquer informação que não seja um bilhete de trem. Procure falar o que não vem à cabeça. Cantarolar uma música ainda sem letra. Deixe varrerem seus pés, case sem namorar, namore sem casar. Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar. Leve uma árvore para passear. Chore nos filmes babacas, durma nos filmes sérios. Não espere as segundas intenções para chegar às primeiras. Não diga “eu sei, eu sei”, quando nem ouviu direito. Almoce sozinho para sentir saudades do que não foi servido em sua vida. Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você. Transforme o sapato em um barco, ponha-o na água com a sua foto dentro. Não arrume a casa na segunda-feira. Não sofra com o fim do domingo. Alterne a respiração com um beijo. Volte tarde. Dispense o casaco para se gripar. Solte palavrão para valorizar depois cada palavra de afeto. Complique o que é muito simples. Conte uma piada sem rir antes. Não chore para chantagear. Cometa bobagens. Ninguém lembra do que foi normal. Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade."
- Carpinejar

[.fim.transcendência.]

:: No início foi como se o mundo ao meu redor tivesse ficado suspenso, não por algumas horas, mas por alguns dias. As pessoas, os gestos, os olhares, a melodia do dia a dia, o andamento da vida de repente me pareceu sem lógica, meio atemporal, sem viço. No início só havia a negação em mim e eu repetia quase como mantra que aquilo não estava acontecendo comigo. Como estaria acontecendo? Aquela história não caberia numa gaveta qualquer, junto com fotos de sorrisos soltos, contentes, ainda quentes, abraços apertados, lábios e olhos que se prometiam o tempo todo, palavras que um dia saíram do sentimento mais incrível do mundo. Como eu poderia abrir mão daquela outra mão que me fora tão próxima, tão quente, tão firme em minhas mãos, meus braços, minhas costas, minha nuca?
Passado a anestesia característica de alguns fins, o medo do minuto seguinte parecia me atingir a todo o momento. Palavras, gestos, olhares, tudo, absolutamente tudo me invadia, me bebia por dentro, me sugando e me enriquecendo ao mesmo tempo. Eu sentia medo, pela primeira vez, de não conseguir mais enxergar a poesia das coisas, de não conseguir mais ser leveza, de não conseguir mais ser afetuosa e deixar que esse cuidado me fosse ofertado. Mas ocorreu-me a dúvida: será que algum dia eu fui leveza? Será que a leveza com a qual eu lidava não estava mascarada, fatigada, inventada? Vasculhei na memória e não consigo me recordar há quanto tempo eu não me sentia assim, tão desabitada de gente, de neurose amorosa. Nos últimos anos sempre dividi alegria e solidão com alguém – tentando carregar as minhas e as do outro, sempre.
O passo foi desacelerando, não sinto mais tanta necessidade de ser amada nem de ter alguém para amar. Às vezes o peito se espreme com algumas lembranças, mas logo a vida pinta cheia de vias a serem descobertas, com novidades esperando para serem encontradas e terras esperando para serem apreciadas, exploradas; então essas lembranças passam a habitar um lugar tranquilo dentro do peito, como forma de me lembrar que o amor precisa desse espaço cicatrizado dentro da gente. Tenho me esvaziado constantemente dos entulhos emocionais para receber a minha parte que esteve sempre nos outros, sedenta por afeto. Não há ninguém que possa suprir as minhas lacunas. Algumas lacunas já nasceram comigo e elas não precisam ser supridas, elas precisam apenas ser compreendidas, cuidadas, redecoradas. E não há outra pessoa além de mim que possa fazê-lo.
Aos poucos e com o passar dos dias, eu vou me vendo com a calma grudada na garganta e nos gestos. Percebo o olhar mais firme, menos vacilante e mais tranquilo, e sinto os pés ganhando um equilíbrio enorme na fé. Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. E eu me descubro confortável em minha própria companhia, interessada em ouvir minha própria história e com uma lucidez enorme sobre viver.
-Nara Sales-


 

[.um leve toque.]

“O vazio não é um abandono de si, é um reconhecimento do eu, um convite para o Outro, algo que deve ser preenchido temporariamente, dentro do mesmo movimento humano de acordar sempre um desconhecido. O vazio é uma curiosidade que ainda não foi desvendada. É ter braços livres para o abraço que acabará daqui a pouco, mas que ecoará constantemente na lembrança mais bonita. Porque no toque intenso, o afeto estava leve.”
[Marla de Queiroz]


8 de abril de 2013

[.quanto mais teus olhos calam.]

:: E foi assim que eu, finalmente, voltei pra única pessoa no mundo que nunca me abandonou ou desmereceu: eu mesma. Foi desse jeito meio torto, meio bruto que eu voltei pra mim. Foi depois de me doar e me doer tanto que eu percebi que não vale à pena. Não vale porque se uma pessoa te fere mais do que te cura, isso é doença e não felicidade. É câncer e não amor. Viver de anestesias, dor e mais anestesias é sobreviver e só. Me recuso. Coração vazio e sorriso cheio, que assim seja. Os arranhões já não me doem, cada decepção eu levo como vacina. Dessa vez prometo não me abandonar, me deixar de lado ou me diminuir por ninguém nesse planeta. Se não tiver jeito, posso até me emprestar, me dividir quem sabe, mas me perder nunca mais. Agora é assim, primeiro eu. Quem não gostar das regras, não joga. Tô feliz, acredita ? Olha só a ironia  fui buscar o amor e já tinha. Fui tentar ser feliz e já era. Fui tentar me encontrar e me perdi. E, que loucura, precisei me perder pra me valorizar.
(Marcella Fernanda)