Passado a anestesia característica de alguns fins, o medo do minuto seguinte parecia me atingir a todo o momento. Palavras, gestos, olhares, tudo, absolutamente tudo me invadia, me bebia por dentro, me sugando e me enriquecendo ao mesmo tempo. Eu sentia medo, pela primeira vez, de não conseguir mais enxergar a poesia das coisas, de não conseguir mais ser leveza, de não conseguir mais ser afetuosa e deixar que esse cuidado me fosse ofertado. Mas ocorreu-me a dúvida: será que algum dia eu fui leveza? Será que a leveza com a qual eu lidava não estava mascarada, fatigada, inventada? Vasculhei na memória e não consigo me recordar há quanto tempo eu não me sentia assim, tão desabitada de gente, de neurose amorosa. Nos últimos anos sempre dividi alegria e solidão com alguém – tentando carregar as minhas e as do outro, sempre.
O passo foi desacelerando, não sinto mais tanta necessidade de ser amada nem de ter alguém para amar. Às vezes o peito se espreme com algumas lembranças, mas logo a vida pinta cheia de vias a serem descobertas, com novidades esperando para serem encontradas e terras esperando para serem apreciadas, exploradas; então essas lembranças passam a habitar um lugar tranquilo dentro do peito, como forma de me lembrar que o amor precisa desse espaço cicatrizado dentro da gente. Tenho me esvaziado constantemente dos entulhos emocionais para receber a minha parte que esteve sempre nos outros, sedenta por afeto. Não há ninguém que possa suprir as minhas lacunas. Algumas lacunas já nasceram comigo e elas não precisam ser supridas, elas precisam apenas ser compreendidas, cuidadas, redecoradas. E não há outra pessoa além de mim que possa fazê-lo.
Aos poucos e com o passar dos dias, eu vou me vendo com a calma grudada na garganta e nos gestos. Percebo o olhar mais firme, menos vacilante e mais tranquilo, e sinto os pés ganhando um equilíbrio enorme na fé. Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. E eu me descubro confortável em minha própria companhia, interessada em ouvir minha própria história e com uma lucidez enorme sobre viver.
-Nara Sales-
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